Crítica de Cinema
A estrada não costuma ser muito generosa com quem embarca
nela, principalmente com as mulheres. Ao analisar determinadas narrativas
fílmicas concebidas em épocas e países diferentes, e de diretores e estilos
completamente distintos, como Curva do
destino (EUA, 1945, E. Ulmer), A
estrada da vida (Itália, 1954, F. Felini), Sem teto nem lei (França, 1985, Agnes Varda) pode-se constatar, em
relação à trajetória e destino das personagens femininas pelo menos duas
características em comum (apesar dos diferentes perfis físico e psicológico
delas): uma iminente vulnerabilidade diante dos riscos que a estrada pode
oferecer (muitas vezes oriundas da opressão e violência masculina) e o destino
trágico diante da morte.
Sem escolha, ela o acompanha, auxiliando-o nos serviços domésticos e nas apresentações e, posteriormente, apresenta-se também como palhaça. Entretanto, ela é constantemente maltratada por Zampano, homem bruto, que trata mulher como objeto. Gelsomina também não se encaixava no padrão costumeiramente esperado em uma mulher: além da falta de atrativos físicos, não sabia lavar, cozinhar, e ainda aparentava apresentar algum tipo de retardamento mental, perfil este que contrastava com o de sua irmã, Rosa, que também foi parceira de Zampano, mas que morreu, não se sabe exatamente por qual motivo.
Ofuscada pelas prometidas maravilhas de uma vida de cidade em
cidade, deslumbrada pela ideia de se sentir capaz, útil, de demonstrar seu
talento e ser preenchida por aplausos, Gelsomina depara-se com uma realidade de
melancolia e submissão. Diante disso, pensou em fugir diversas vezes, mas a
paixão que nutria por Zampano e o desejo de um dia ser tratada por ele como sua
esposa, ser amada e respeitada, a impediam. Pelo contrário, ela não era
respeitada, nem amada, muito menos livre. Ela só obteve um pouco mais de
atenção de Zampano quando apareceu o personagem Bobo, que a deixou encantada e
despertou ciúmes no “arrebentador de correntes”. Após a morte de Bobo, depois
de uma briga com Zampano, Gelsomina sentiu-se ainda mais triste e
desequilibrada, o que levou Zampano a abandoná-la, morrendo anos depois.
Lecco França é professor
universitário, pesquisador, curador e crítico de cinema. Doutor em Letras pelo
Programa de Pós-graduação em Literatura e Cultura da Universidade Federal da
Bahia.
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