Crítica de Cinema
Investigando a história do cinema clássico mundial percebe-se
que em sua trajetória ele apostou predominantemente em enredos cujo ponto de
vista era masculino, de tal modo que eram os protagonistas homens que conduziam
a trama. A imagem da mulher “construída” pelo cinema, isto é, as
imagens dominantes da mulher nos filmes também eram construídas pelo e para o
olhar masculino. No período da ascensão inicial do cinema norte-americano (compreendido
entre 1908 e 1918), a figura feminina apresentada era, de certo modo, limitada.
Habitualmente, encontrava-se a jovem criança, a mãe, esposa e dona de casa, ou
a mulher perseguida, que seria resgatada pelo herói.
No período pós-Primeira Grande Guerra, surgiu uma nova perspectiva do papel da mulher, muito ligado ao erotismo. Nos anos 1920, o papel da mulher deixou de ser secundário, como até aí acontecia, e apareceu como figura principal de muitas obras. A partir da década de 1950, ampliou-se ainda mais representação da figura feminina nos mais diversos contextos e com variadas funções (sociais). O período da história, no contexto de guerra, em que mulheres foram encorajadas a cumprir seu “dever patriótico”, prestando serviço nas fábricas de armamentos, consequentemente tornando-se independentes econômica e sexualmente, bem como o receio de sua concorrência no mercado do trabalho, causou uma desconfiança dos homens em relação a elas, podem ter sido responsáveis pela misoginia percebida no tratamento das personagens femininas. Exemplo claro disso encontra-se o filme Curva do Destino (Detour, EUA, 1945), do diretor austríaco Edgar G. Ulmer, através da personagem Vera. Vulgar e autoritária, com traços fisionômicos que, de certo ângulo, lembram os de um abutre, ávido e feroz, ela pode ser considerada como a mulher fatal mais desprezível que já apareceu na tela nos últimos tempos.
No período pós-Primeira Grande Guerra, surgiu uma nova perspectiva do papel da mulher, muito ligado ao erotismo. Nos anos 1920, o papel da mulher deixou de ser secundário, como até aí acontecia, e apareceu como figura principal de muitas obras. A partir da década de 1950, ampliou-se ainda mais representação da figura feminina nos mais diversos contextos e com variadas funções (sociais). O período da história, no contexto de guerra, em que mulheres foram encorajadas a cumprir seu “dever patriótico”, prestando serviço nas fábricas de armamentos, consequentemente tornando-se independentes econômica e sexualmente, bem como o receio de sua concorrência no mercado do trabalho, causou uma desconfiança dos homens em relação a elas, podem ter sido responsáveis pela misoginia percebida no tratamento das personagens femininas. Exemplo claro disso encontra-se o filme Curva do Destino (Detour, EUA, 1945), do diretor austríaco Edgar G. Ulmer, através da personagem Vera. Vulgar e autoritária, com traços fisionômicos que, de certo ângulo, lembram os de um abutre, ávido e feroz, ela pode ser considerada como a mulher fatal mais desprezível que já apareceu na tela nos últimos tempos.
A mulher sexualmente ativa (por ser dona de seu desejo), misteriosa (por ser pouco previsível) e independente (por não ter vínculos matrimoniais) corresponde à ideia da femme fatale. Essa mulher é adjetivada como fatal porque é uma ameaça à instituição da família e representa uma tentação que pode desvirtuar o homem, levando-o à ruína. Esse tipo de personagem foi preponderante no Cinema Noir[2], a partir da década de 1940, nos Estados Unidos, e de certo modo persiste no imaginário contemporâneo um mal disfarçado incômodo com mulheres que carregam em si esses atributos.
Com larga produção entre as décadas de 1940 e 1950, o Cinema Noir ficou conhecido por tratar a sociedade de forma niilista e crítica e, principalmente, pela fotografia em alto contraste entre o preto e branco, herança do expressionismo alemão. Utilizando a temática policial, em ambientes urbanos, o gênero normalmente combina personagens moralmente ambíguos, mulheres sedutoras, homens violentos ou corruptos. A personagem femme fatale ao se interpor na trajetória do herói, funciona como um contraponto, cujo efeito é moralizante, uma vez que no final da história o herói/homem é invariavelmente absolvido e a mulher “fatal” é condenada ao descarte, à loucura, à solidão ou à morte, entre outras punições possíveis, como acontece em Curva do destino.
O personagem Al Roberts (interpretado por Tom Neal), músico de jazz maltrapilho que viaja pelos Estados Unidos de carona, viu sua vida se transformar num inferno depois que um motorista morre na sua frente, e ele resolve assumir a identidade do morto. Como na estrada, nem tudo sai como o esperado, para Al, além do encontro com Charles Haskell Jr., o encontro com Vera quando, num posto de gasolina, dá-lhe carona, também provoca uma reviravolta completa na sua vida, levando-o a um estado degradante, que fez com que ele cometesse uma terrível besteira.
A trama é original e intrigante, cheia de surpresas, e deixa o espectador mais do que curioso, ansioso, esperando para onde o próximo lance do enredo irá conduzi-lo. Tudo isso culmina com um final extremamente inteligente: em um motel de Los Angeles, Al mata Vera involuntariamente, estrangulando-a ao puxar o cordão do telefone que ela havia enrolado em torno do pescoço. O jeito autoritário e pragmático da personagem o tempo inteiro não permitiu a empatia do público.
Lecco França é professor
universitário, pesquisador, curador e crítico de cinema. Doutor em Letras pelo
Programa de Pós-graduação em Literatura e Cultura da Universidade Federal da
Bahia.
[2] Segundo Martin Scorsese, no
livro Uma viagem pessoal pelo cinema americano, a expressão film noir foi
cunhada pelos críticos franceses em 1946, quando descobriram as produções de
Hollywood que haviam perdido durante a ocupação alemã. Não se tratava de um
gênero específico, como o filme de gângster, mas sim de um estado de espírito,
cuja melhor definição está na seguinte fala extraída do filme de Ulmer: “Para
qualquer lado que você vá, o destino estica a perna para lhe passar uma
rasteira”.
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